quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Cargos como moeda de troca

O Excesso de cargos de confiança abre brechas para a pressão política, corrupção e ineficiência

Há gente demais ocupando cargos por indicação no serviço público. Esse tipo de cargo, chamado comissionado, foi criado nos anos 1960 para dar flexibilidade à contratação. Com ele, o governo pode suprir áreas com falta de concursados. Mas a falta de critérios abriu caminho para um número de nomeações gigantesco, muito acima do que recomendam as boas práticas de administração pública.

Só em nível federal, o Brasil tem 22.700 pessoas ganhando salário segundo a escolha do presidente e de seus aliados. Os Estados Unidos, com estrutura de governo bem maior que a brasileira, têm 8 mil. Outros países têm menos ainda. Nos governos estaduais, a proporção é ainda maior. São 115 mil indicados pelos governadores e seus aliados. O Estado de São Paulo tem quase o dobro da quantidade de comissionados que o governo federal dos EUA. O problema é ainda maior nos municípios, que abrigam meio milhão de indicados.

O excesso abre brechas para corrupção, ao criar um mercado de cargos em permanente leilão. Esses postos servem como moeda política para presidentes, governadores, prefeitos e legisladores. A negocição interminável de indicações tende a solapar o debate de ideias e o papel do Legislativo como fiscal do Executivo. Como as vagas ficam sujeitas a alianças partidárias renegociadas a cada eleição, a alta rotatividade prejudica a eficiência da gestão e os projetos de longo prazo. “A cada ano, 30% mudam de posição”, diz o pesquisador Felix Lopes, do Ipea.

Quanto maior o número de indicações políticas num órgão federal, menor a capacidade de o servidor fazer seu trabalho. A conclusão é de um estudo de 2013 com dados de 325 mil servidores brasileiros, liderado pela pesquisadora Katherine Bersch, da Universidade do Texas, nos EUA. “O efeito sobre a administração é devastador”, afirma Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil, que propõe limitar o número de cargos comissionados.

A questão é mais complexa do que parece. Cerca de 70% desses cargos são preenchidos com concursados. “Isso não elimina a influência. O próprio servidor sabe que, se não se acertar com o partido, não tem chance, porque alguém ligado à legenda vai chefiá-lo”, diz Abramo. Em 2011, a pesquisadora Maria Celina D’Araújo, da PUC do Rio de Janeiro, constatou que um quarto dos funcionários federais nos cargos comissionados federais de alto escalão eram filiados a algum partido. Desses, 80% eram petistas.

Dos quase 23 mil cargos federais, cerca de 9 mil são de médio a alto escalão e despertam mais interesse político. Os cargos menores são usados com outros fins, como servir de atalho legal para gratificar funcionários ou agradar a eleitores. No entanto, segundo o cientista político Fernando Abrucio, boa parte desses cargos não precisaria ser comissionada. “Numa reforma administrativa, seria possível decidir quais cortar”, diz.

Os governos caminham na contramão da redução desses cargos. Desde 2003, os comissionados cresceram 23% na esfera federal, acima do aumento do total de contratados. Nos Estados, aumentaram cerca de 10% só de 2012 para 2013, únicos anos com dados organizados.

Há ao menos quatro propostas na Câmara dos Deputados para limitar o número de funcionários indicados. Não há previsão de votação. A mais antiga é de 2007. O senador Pedro Simon (PMDB-RS) já declarou que a aprovação “seria um milagre”. “Seria benéfico para o governo. Se não existissem tantos cargos a distribuir, a fome dos partidos também reduziria”, diz Abrucio. Para Abramo, essa deve ser a principal medida de uma reforma política e a que teria melhores chances de deter a corrupção e melhorar a eficiência do governo.






Fonte: Revista Época
Na íntegra em: http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/10/brasil-gasta-demais-com-bfuncionarios-publicosb.html


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participe do Blog do SIMUSB enviando seus comentários sobre os temas abordados nas postagens ou sugerindo publicações. Sua participação é muito importante!
Nota: O SIMUSB reserva-se o direito de eventualmente não publicar comentários anônimos ou ofensivos.